17 anos depois: ainda não se sabe quantos jovens morreram no massacre de Santa Cruz

Estarreja lembrou a data

quinta, 13 de novembro 2008

D. Ximenes Belo, arcebispo resignatário de Díli e Prémio Nobel da Paz, esteve em Estarreja para lembrar o massacre do cemitério de Santa Cruz que ocorreu a 12 de Novembro de 1991, acordando o mundo para a ocupação de Timor-Leste pela Indonésia. Até hoje “não sabemos exactamente quantos mortos, desaparecidos e feridos” provocou o ataque das tropas indonésias que dispararam indiscriminadamente contra civis durante uma homenagem fúnebre a um jovem abatido por elementos daquelas forças.

No único município do país onde se assinalaram os 17 anos desse momento fatídico, D. Ximenes Belo deixou “em nome dos timorenses e em meu nome pessoal o meu profundo agradecimento pela vossa solidariedade e presença”, disse à plateia que lotou o Auditório da Biblioteca Municipal de Estarreja. A palestra decorreu no âmbito do ciclo de conferências "À Conversa sobre...". 

O timorense recordou as imagens do massacre descrevendo os momentos então vividos. “Dois ou três dias antes do massacre, as igrejas de Díli estavam cheias de jovens. Ficamos admirados com tanta afluência para as confissões. Eles tinham combinado entre si confessar-se porque sabiam que iam morrer”.

No dia 12, depois da missa, cerca de mil jovens seguiram em procissão a caminho de Santa Cruz. “Mesmo durante a marcha para Santa Cruz muitos jovens diziam ‘temos de ser independentes, temos de sofrer’." E o sofrimento veio em forma de balas que atingiram dezenas, dezenas e dezenas de jovens.

Na altura Bispo de Díli, D. Ximenes Belo acolheu 150 rapazes e raparigas que vieram fugidos pedir auxílio. E os assassinatos continuaram nas ruas onde jovens foram interceptados e mortos pelas tropas indonésias que “trataram de limpar e recolher os corpos. Manuel Carrascalão viu 50 corpos a serem carregados num camião indonésio”.

O Prémio Nobel da Paz deu conta que após o ataque dirigiu-se ao cemitério e viu “um grande grupo de jovens em fila, sem camisa, com os braços em cima da cabeça para serem levados para o comando militar e serem torturados. Uns resistiram outros não…”. Há relatos de jovens feridos que foram levados do hospital para “a casa mortuária onde com grandes pedregulhos lhes esmagavam a cabeça”.

Uma comissão de inquérito nomeada pela Indonésia apelidou de incidente o que aconteceu em Santa Cruz e apontou para um total de apenas 19 mortos e 70 feridos. A pressão internacional fez a comissão corrigir esses números para 50 mortos e 90 feridos.

Ximenes Belo afirmou que “até hoje não sabemos qual o número exacto de mortos. Uns falam em 271, outros em 400, outros em 500. Eu apenas posso repetir o que disse em Díli em 1991. É melhor perguntar aos indonésios. Eles é que mataram, recolheram os corpos e puseram-nos nos camiões. Eles é que os levaram para deitarem em lagos, mares e valas comuns”.

E concluiu a palestra com a homenagem a esses jovens que deram a vida pela causa da independência. “Respeitando as famílias que perderam os seus filhos, podemos afirmar que as vidas dos jovens e adolescentes que foram massacrados no dia 12 de Novembro de 1991 serviram de trampolim para a continuação da luta e para a independência de Timor-leste. Em memória desses mártires da pátria timorense elevo a Deus as minhas humildes preces pelos vivos e pelos mortos e presto a minha homenagem aos que tombaram no cemitério de Santa Cruz. Ditosa pátria que tais filhos teve”.

Antes da palestra com D. Ximenes Belo, foi inaugurada a exposição de pintura "...Bendito seja o mesmo sol de outras terras" [A. Caeiro], da autoria de Maria Dulce, descendente de timorenses, e que pode ser vista até ao final do mês na Biblioteca. Foi ainda exibida a curta-metragem de animação “Timor Lorosae”, realizada por Vítor Lopes e produzida pelo Cine-Clube de Avanca que narra a história do povo timorense que, após 500 anos de colonialismo, resistiu a 26 anos de ocupação indonésia. Esta curta-metragem que foi objecto de vários prémios internacionais.

O evento foi organizado pela Câmara Municipal de Estarreja sendo “importante manter a lembrança dos acontecimentos”, referiu o vereador da Educação e Cultura, João Alegria, que destacou a presença do Prémio Nobel da Paz.