Faleceu o Pintor de Estarreja

quarta, 04 de abril 2012

José Mendonça faleceu esta madrugada, por volta da uma da manhã, vítima de um AVC, aos 88 anos. Natural de Estarreja, onde residia, iniciou-se na arte de pintar sem mestres nem escolas. A sua longa carreira de 6 décadas como pintor, teve a primeira exposição em 1953 com uma primeira amostragem de trabalhos de pintura a óleo.

As cerimónias fúnebres terão lugar em Beduído, amanhã dia 5 de abril, às 16h. O corpo estará em câmara ardente na casa mortuária de Beduído, a partir das 18h de hoje.

A Câmara Municipal presta suas condolências aos familiares e amigos desta ilustre figura do nosso concelho. O presidente do Município, José Eduardo de Matos, recorda a sua longa vida, “carregada de cores – como se tela e existência se misturassem, quais tintas fundindo-se num tom suave. Tenho essa noção de suavidade, de tranquilidade na sua obra, muito referenciada à nossa Ria, por certo a razão mor da sua histórica notoriedade artística”.


"Pintar é a forma mais simples de nos alhearmos dos problemas que nos afligem e de estar mais perto na natureza... é a forma de comunicar e interpretar à minha maneira aquilo que, muitas vezes, passa despercebido..."

José Mendonça
 

(textos a propósito da Exposição Nostalgias, na Casa Municipal da Cultura, em Setembro de 2008)


Recordando

Quando em 1955 realizava a primeira exposição dos meus trabalhos de pintura, em questões de arte ela teve um nível nunca atingido em Estarreja. Todas as classes sociais da nossa terra, e não só, foram ver e aplaudir a iniciativa. Presentes, pintores, jornalistas e, na inauguração, a presença do senhor Presidente da Câmara Municipal de Estarreja.

Foi, na verdade, um acontecimento que marcou o início da minha carreira, até porque, das personalidades presentes de maior destaque, foi, sem dúvida, a mais marcante, a do Prof. Doutor Egas Moniz, que, atentamente, observou os trabalhos expostos e teve muitas palavras de apreço, que ficaram gravadas no minha memória e me deram muita confiança para continuar esta actividade. E, depois de adquirir um pequeno trabalho e frisar que não era por ser pequeno, mas sim por ser o único que tinha uma figura humana (uma lavadeira, no Rio Antuã), convidou-me a ir a sua casa ver as obras que possuía.

Muitos artistas de nome, que eu já conhecia, mas de que destaco o da pintora Eduarda Lapa, com o quadro “ Mercado de Estarreja”, que eu já tinha visto e que fora pintado duma janela do Hotel Miranda. Desta pintora tinha, também, o quadro “Campainhas azuis”, que, mesmo sem o já ter visto, também eu tinha já tentado pintar.

O Prof. Doutor Egas Moniz, depois de, demoradamente, me ter mostrado a sua casa e muitas das obras de arte, que possuía, falou-me da possibilidade de eu ir viver para Lisboa, porque poderia entrar em contacto com outros pintores e ver exposições, que lá se realizassem, tendo-se disponibilizado, mesmo, para encontrar uma colocação, que permitisse garantir a minha estadia em Lisboa. Ora, isto foi em Abril, e, nas Férias Grandes, quando ele voltou a Avanca, já, então, se falava da sua doença; e, no fim desse ano (Dezembro), a sua morte não permitiu que se concretizasse o que me havia proposto.

Depois de muito se ter escrito, acerca da minha pintura, nomeadamente, nos jornais de Aveiro, Coimbra, Leiria, Arcos de Valdevez e, ainda, nos Ecos de Ovar, em V. Nova Gaia, .Guimarães, Jornal de Évora, Ecos de Cacia, há, também, afirmações escritas, que foram, e são, um estímulo para a minha forma de ver e sentir a arte de pintar.
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E, por exemplo, mais recentemente, na revista “Bons Vicius” pode ler-se:

“José Mendonça, pintor grande do figurativo, recebe os aplausos de que é alvo, por ser um dos maiores representantes dessa pintura figurativa, em Portugal”.

Foi, também, referenciado na revista francesa "Loirirs Nautiques", como sendo o pintor da “Ria de Aveiro”. Mas podem citar-se, ainda, outras referências dispersas, tais como:

- de Dr. Jayme de Mello Freitas: “São de muita qualidade e de merecimento os seus trabalhos .. José Mendonça revela qualidade e, não sendo aveirense, é como se o fosse”.
- da Pintora D. Eduarda Lapa : “Sabe desenhar e dar a cor local, o que nem todos os artistas conseguem!”
- do escritor Dr. Tomaz de Figueiredo : “Porque a sente, só quer viver para a Beleza ...”

Muito foi escrito e publicado, ao longo de 55 anos… Porém, eu guardo, com muito carinho, tudo o que pensam e dizem de mim, o que, aliás, sempre tem funcionado, como um estímulo, nesta construção que foi, e é, a minha a Vida.

José Mendonça



O Pintor de Estarreja

Ainda demorei a nascer e já José Mendonça expunha… Não admira que, desde pequeno, sempre o conheci como “O Pintor de Estarreja”.

E é um privilégio sentir a simpatia da sua afável presença  e partilhar esta retrospectiva exposição, reafirmando um sensível estilo muito próprio.

Recordando o que tem sido a sua longa vida, carregada de cores – como se tela e existência se misturassem, quais tintas fundindo-se num tom suave.

Tenho essa noção de suavidade, de tranquilidade na sua obra, muito referenciada à nossa Ria, por certo a razão mor da sua histórica notoriedade artística.

Os jogos garridos das proas dos inúmeros moliceiros que retratou constituem o seu inesquecível cartão de visita - incontornável na decoração de muitas casas da região. Essa popularidade é o seu aplauso.

No mais, comungamos o quadro “Mercado de Estarreja”. No meu gabinete está o seu e ao longe a Senhora do Monte. Na sua memória, o de Eduardo Lapa, ainda na Praça.

Aí nos reencontramos. Todos os dias.
                                                                                                
José Eduardo de Matos