70 anos à volta dos barcos

quinta, 22 de novembro 2012

José Duarte da Silva, 82 anos, conhecido na terra por José Pitarma, nasceu em Arouca mas o destino trouxe-o para junto da Ria, ainda de tenra idade. Criado em casa do professor Pitarma, em Pardilhó, rejeitou a arte da sapataria proposta pelo seu tio, afirmando mal deixou a escola: “quero ir para os barcos”. Nascia uma paixão que duraria uma vida. “Aos 12 anos fui para casa de Manuel Tavares, de Pardilhó, onde se construíam mercantéis e moliceiros”.

“A Ria era límpida e transparente, via-se o moliço. Até se andava ao candeio, com uma luz na bateira e a ver os peixes. Nos anos 50, uma baixa-mar e um pré mar mal se notava. Hoje dá um metro e vinte de amplitude de diferença de água de uma maré para a outra. A Ria tem sido degradada de dia para dia”.

Com passagens pelo Bico da Murtosa, para a construção de um navio até 1946, e pela Gafanha durante a juventude, fixou-se posteriormente na Ribeira da Aldeia onde ajudou a construir o estaleiro de madeira em 1956, a sua “segunda casa” durante quase 60 anos. Trabalhou com Manuel Dias Bastos, o anterior dono do estaleiro, até ao seu falecimento em 1962. Não abandonou o barco pois “nessa altura havia muito movimento. Chegamos a ter aqui muitos empregados”, relembra.

“É bom de recordar a Ribeira da Aldeia… isto era cheio de junco de um lado e moliço do outro. Hoje nem há moliço nem há junco, foi-se tudo. Havia muitos moliceiros, bateiras e barcos mercantéis, era muito movimentada. Uns senhores vendiam materiais de construção e faziam aqui os depósitos das areias, os barcos descarregavam e daqui vendiam. Descarregava-se aqui muito moliço, todos os dias uma série de carros de lavradores aqui vinham buscar o moliço. Isto era outra coisa, havia sempre gente. Agora está morto. Está tudo a acabar”.

Entre as histórias que vão navegando na memória, não esquece o maior veleiro que fez, com 9 metros de cumprimento, vendido para a Costa Nova. Um outro modelo de uma lancha “do meu gosto e da minha autoria” esteve em exposição na primeira Nauticampo que se realizou em Lisboa em 1967. E como não falar no “Ana Maria” e na sua “história muito grande. Era um barco pequeno que foi aumentado em 30 cm e voltou a ser aumentado… tem excertos que deu o cabo dos trabalhos”, lembra entre risadas.

O “Alma Grande”, construído em 2007, foi a sua última criação feita no estaleiro da Ribeira da Aldeia. Levou cerca de 5 meses “mas é uma construção difícil, feita em tabuinhas na diagonal”, levando três camadas de tábuas, num trabalho minucioso “que empata muito tempo”. O barco voltou ao seu estaleiro em 2010, num emocionante reencontro entre criação e criador, para uma ligeira modificação.

Em cada embarcação investia “muito do seu tempo e dedicação. Quando me metia tinha gosto naquilo que fazia, por isso dava sempre o meu melhor. Por vezes a gente cria uma amizade a isto, que quando vê (o barco pronto) parece que renasce”. Hoje vai passando o tempo entre reparações e pinturas. “Quero ter qualquer coisa para me entreter e passar o tempo”.

“A Ria naquela altura era boa porque não tinha a corrente que tem hoje. Aguentava-se sempre com uma profundidade acessível, boa. Depois com as obras da Barra, começou a haver uma corrente de água maior e a aparecer um lodo”.